terça-feira, 22 de julho de 2008

Juca Kfouri x Milton Neves

Essa semana muitos alunos perguntaram a minha opinião sobre o caso envolvendo dois jornalistas bastante conhecidos e que, publicamente, são desafetos, Juca Kfouri e Milton Neves.

Me mostraram uma matéria em um blog que tratava do assunto a respeito de um julgado em primeira instância, onde o juiz deu ganho de causa ao primeiro jornalista, condenando o segundo no pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 48.000,00 por conta de um comentário de um leitor em seu site, onde se afirmava que Juca Kfouri não pagava pensão alimantícia e que havia cobrado por uma entrevista de pelé a resvista playboy.
Confesso que não seu o porquê dessa discussão apenas hoje, já que a decisão ocorreu no final do ano passado, mas como foram muitos os pleitos nesse sentido, vou publicar aqui no blog a minha opinião.

A defesa do jornalista da TV Bandeirantes (não, ele não é mais da Record!!!) recorreu e afirmou que o "jogo" estava apenas no primeiro tempo. Alegaram que a ação deveria ser proposta em face do autor do comentário e não do dono no site.

Penso que as alegações da defesa são frágeis e que o proprietário do site deve sim se responsabilizar pelos comentários lá postados. No blog do próprio Juca Kfouri os comentários são todos moderados e eventuais ofensas a outrem, provavelmente filtrados.

A liberdade de imprensa tem limite e esse limite é justamente quando se adentra no direito de outra pessoa. No caso, o comentário no site cercea o direito do Jornalista Juca Kfouri, relatando fatos (verídicos ou não, isso não vem ao caso!) sobre sua vida pessoal e pondo em risco a idoneidae de sua moral.

Os cidadãos não podem ficar ao alvedrio da sorte na rede mundial de computadores, a qual urge por uma lei específica que a regulamente.

A decisão, muito bem fundamentada, ainda considerou que "Aquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano moral, inclusive no caso de calúnia, difamação e injúria. Com efeito, o réu fez publicar em sua página na Internet textos com críticas ao autor. Pouco importa que o réu não seja o autor do primeiro artigo, pois é responsável por sua divulgação". Muito bem colocado pelo Jugador.

Ademais, cá entre nós, se algumas pessoas do meio televisivo acham que são Deus, Milton Neves tem certeza disso, e que isso sirva de lição para que ele tome maiores cuidados com o que se posta no seu site, pois um jornalista publicamente conhecido em todo o Brasil deve tomar um mínimo de precauções em seu endereço virtual na rede mundial de computadores.

E tem mais. Na opinião aqui colocada não levo em consideração a minha simpatia por Juca Kfouri, que tem o dom de mesmo quando discordamos dele (como faço em algumas situações) sempre fazer com que o respeito prevaleça, pois trata-se de um sujeito elegante e educado, dos poucos jornalistas nesse país sem "rabo preso" e que não tem medo de expor a opinião.

A prova de que não estou sendo parcial é um dos artigos abaixo, postados aqui no blog, onde concordo com a condenação do Google por conta de difamações no site de relacionamento "orkut", opinião essa que segue no mesmo raciocínio desta que os leitores estão lendo agora.

No mesmo diapasão, não me deixei influenciar pela antipatia causado pelo apresentador multi-marcas, Milton Neves. Como homem do direito tenho que saber ser isento e deixar minhas "empatias" de lado na hora de opinar. Isso a idade me ensinou a fazer, apenas não posso negar a satisfação, quando, de vez em quando, as duas frentes seguem juntas.

Válido ressaltar que de fato o processo ainda está em seu início, e como gostam de dizer no meio futebolístico, "ainda tem muita água para passar por debaixo da ponte".

Abaixo transcrevo a decisão de primeira instância a partir do "decido" para que ajude cada um a tirar as suas próprias conclusões e aproveito para lançar a nova enquete.

"D E C I D O.

Em primeiro lugar, observo que a contestação é tempestiva, ratificado o teor da certidão de fls. 323, na medida em que o prazo não se inicia quando há encerramento mais cedo do expediente forense. Afasto as preliminares. A petição inicial descreve adequadamente os fatos, e de sua narrativa deflui conclusão lógica, tendo permitido a ampla defesa, o contraditório e a formação do convencimento, não se vislumbrando inépcia. Evidente a legitimidade passiva do réu, vez que ele fez publicar em sua página na Internet os textos tachados de ofensivos. A alegada solidariedade passiva prevista na súmula 221 do Superior Tribunal de Justiça não implica em litisconsórcio passivo necessário, cabendo ao autor ofendido mover a ação contra qualquer um dos responsáveis pela ofensa.
O mais se enquadra no mérito. Comprovados e incontroversos os atos inquinados de ilícitos, o feito comporta julgamento antecipado, nos termos do art. 330, I, do CPC, pois a questão controvertida nos autos é meramente de direito, desnecessária dilação probatória. Aquele que, no exercício da liberdade de manifestação de pensamento e de informação, com dolo ou culpa, viola direito, ou causa prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano moral, inclusive no caso de calúnia, difamação e injúria. Com efeito, o réu fez publicar em sua página na Internet textos com críticas ao autor. Pouco importa que o réu não seja o autor do primeiro artigo, pois é responsável por sua divulgação.

Portanto, a solução da controvérsia repousa na análise dos fatos em si – os comentários e as situações em que se deram as abordagens sobre o autor – em cotejo com duas situações abstratas positivadas, inclusive na Carta Magna. De um lado, tem-se o direito à inviolabilidade da honra e da imagem das pessoas, de cuja violação decorre o direito à indenização pelo dano material ou moral experimentado (art. 5º, X, CF). Por outro lado, temos o direito da liberdade de manifestação (arts. 5º, IX, e 220, CF). Da contraposição dos direitos positivos em aparente conflito, decorre que a apuração da efetiva existência de responsabilidade civil do réu há que se fundar na teoria do abuso do direito, e pressupõe sempre a existência de culpa ou dolo. Com efeito, o exercício regular de direito constitui, não raro, escusativa da responsabilidade civil (art. 188, I, do Código Civil), calcado na parêmia “quem usa de um direito seu não causa dano a ninguém”.

Neste ponto, vale transcrever lição de Caio Mário da Silva Pereira: “o indivíduo, no exercício de seu direito, deve conter-se no âmbito da razoabilidade. Se o excede e, embora o exercendo, causa um mal desnecessário ou injusto, equipara seu comportamento ao ilícito e, ao invés de excludente de responsabilidade, incide no dever ressarcitório” (Responsabilidade Civil, 6ª ed., p. 296). Na mesma obra, o renomado mestre adverte que a regularidade do exercício do direito deve ser apreciada pelo juiz com seu arbitrium boni viri – o arbítrio do homem leal e honesto.

Só assim equilibra-se o subjetivismo contido na escusativa do agente que, não obstante causar um dano, exime-se de repará-lo. E para se atingir o equilíbrio entre os direitos fundamentais contrapostos, deve o julgador se valer da lógica do razoável, preconizada pelo mestre espanhol Recasens Siches, invocado por Alípio Silveira: “A técnica hermenêutica do razoável, ou do logos do humano, é a que realmente se ajusta à natureza da interpretação e da adaptação da norma ao caso. A dimensão da vida humana, dentro da qual se contém o Direito, assim o reclama. O fetichismo da norma abstrata aniquila a realidade da vida.

A lógica tradicional de tipo matemático ou silogístico não serve ao jurista, nem para compreender e interpretar de modo justo os dispositivos legais, nem para adaptá-los às circunstâncias dos casos concretos. O juiz realiza, na grande maioria dos casos, um trabalho de adaptação da lei ao caso concreto, segundo critérios valorativos alheios aos moldes silogísticos. E mais: ora, ao se orientar por juízos de valor em que se inspira a ordem jurídica em vigor, deverá o intérprete atender às exigências do bem comum, já que a lei é ordenação da razão, editada pela autoridade competente, em vista do bem comum. E como o bem comum se compõe de dois elementos primaciais – a idéia de justiça e a utilidade comum – são esses os elementos, de caráter essencialmente valorativo, os princípios orientadores” (Hermenêutica no Direito Brasileiro, RT, 1968, vol. I/86).
É preciso ressaltar, neste ponto, que a liberdade de manifestação do pensamento é garantia constitucional do estado democrático de direito, e como tal garantia da sociedade livre, e assim, dentro do limite do razoável, se sobrepõe ao interesse individual do direito à honra e à imagem. A liberdade de manifestação é indispensável no Estado Democrático de Direito! Os excessos ou desvios é que são socialmente danosos. E, ressalvadas as inequívocas ofensas, bem delineadas (aquelas, porventura indiretas ou ambíguas, devem ser, previamente esclarecidas e não, simplesmente, presumidas), ninguém está isento ou imune a qualquer narrativa crítica, em especial no contexto jornalístico. “Aliás, preleciona Dennis Lloyd, mestre da Universidade de Londres, que: ‘A relação entre lei e liberdade é, obviamente, muito estreita, uma vez que a lei pode ser usada como instrumento de tirania, como ocorreu com freqüência em muitas épocas e sociedades, ou ser empregada como meio de pôr em vigor aquelas liberdades básicas que, numa sociedade democrática, são consideradas parte essencial de uma vida adequada (A idéia da lei – Martins Fontes).

E, mais adiante: ‘Em qualquer comunidade onde predominam os valores democráticos e igualitários, é óbvio que o direito à liberdade de expressão e o direito à liberdade de imprensa devem ser qualificados como valores fundamentais, pois sem eles a possibilidade de desenvolvimento de cristalização de opinião pública, permitindo que ela exerça influência sobre os órgãos governamentais do Estado, estaria condenada a ser virtualmente ineficaz” (op. cit., p. 127 – 128; apud, de forma resumida, RT 757/502 – Superior Tribunal de Justiça – Ministro Félix Fischer). Não se pode esquecer que ninguém está mais sujeito à crítica e à “invasão de privacidade” do que as chamadas pessoas públicas, como é o caso do autor, cuja profissão – jornalista esportivo com larga atuação nos meios de comunicação - por natureza as expõe à curiosidade popular, e como regra a exposição na mídia lhes interessa, sujeitos, assim, a ter a proteção de sua intimidade e privacidade mitigadas, mormente quando suscitam debate e polêmica, o que vem ocorrendo há algum tempo entre as partes.
Certo, portanto, que o direito à honra e à imagem do autor não se mostra de caráter absoluto, cedendo espaço ao interesse público maior da liberdade de imprensa, desde que não configurado o abuso, como se deu no caso dos autos. O poder terrível dos órgãos de comunicação – atingindo todos os lares, propagando alusões que se diluiriam se feitas em círculos menores, mais restritos – reclama contenção maior de seus profissionais, hoje chamados a um procedimento essencialmente ético, que clama pelo respeito à dignidade da pessoa humana, cânone constitucional (art. 1º, III, CF), vedado o tratamento degradante (art. 5º, III).

A crítica e o debate, ainda que acalorados, saudáveis e necessários ao intelecto humano, têm seus limites éticos e morais, devem se pautar pelo bom-senso, pela proporcionalidade, não sendo razoável que se dê forma agressiva, grosseira, ofensiva e, no caso, principalmente, reiterada, o que não deixa qualquer dúvida do ânimo do réu em constranger o autor, de forma constante e deliberada, configurando, sim, a perseguição, no sentido de importunar reiteradamente, ir ao encalço, vexar com violência (ainda que verbal), atormentar. O fato do autor se expor publicamente, como jornalista, e mesmo o fato de fazer críticas contundentes ao réu, não lhe retira o direito ao mínimo de respeito e dignidade.

Ao manter no ar o artigo “E agora, José?”, de autoria de Edgard Soares (fls. 19/20), evidente a intenção do réu em denegrir publicamente a imagem do autor, ao sugerir que ele teria cobrado por entrevista de Pelé para a revista Playboy – o que, diga-se, não faz sentido dentro do que ordinariamente se observa – a par de carecer de provas. Observa-se o claro intuito de menosprezar o autor em trecho daquele artigo, referindo-se ao autor: “o cara escreve em revista de mulher pelada, só faz entrevista de oba-oba, é, então, naturalmente mandado embora, como de todos os outros empregos anteriores, e quer ser levado a sério??!!”.
Pior: afirma que o autor responde a “trocentas” ações na Justiça Cível e Criminal, e “já foi processado até mesmo por falta de pagamento de pensão alimentícia a menor”.` O dolo da ofensa é ratificado pelo réu ao reproduzir em seu site oficial carta por ele dirigida à Revista Veja, onde chama o autor, em claro tom pejorativo, de “arquivista e sociólogo” (profissões que sabidamente não exerce), “única pessoa que já recebeu dinheiro da empresa de um entrevistado”, e que pratica “explícita picaretagem ética”; além de não ter diploma de jornalista. Evidente a intenção de humilhar e denegrir a imagem do autor em público, por todas as formas.

Sendo reprovável, em especial, a conduta de colocar em xeque sua idoneidade como pai, ao dizer que não pagaria pensão alimentícia, o que extrapola completamente o debate jornalístico, para entrar na esfera recôndita da família, atingindo o que uma pessoa de bem tem de mais sagrado, sem qualquer interesse público. Aliás, violando o segredo de justiça que acoberta tal tipo de processo. Contínua, portanto, a execração pública, que ninguém é obrigado a tolerar, nem mesmo o mais crítico e polêmico dos jornalistas.

Tudo a causar dano moral, afronta à dignidade da pessoa humana, tutelada constitucionalmente. Por outro lado, ainda que alguma provocação por parte do autor tenha de fato ocorrido, não foi de molde a autorizar as agressões eloqüentes publicada pelo réu em seu site. Até porque a retorsão imediata só se admite no calor dos debates, em caso de ofensas recíprocas, e não como vingança, mormente nos casos em que se perpetua através de meio de comunicação de amplo acesso como a Internet. Ainda neste aspecto, a retorsão imediata só se admite nos casos de injúria e não nos de difamação, como o praticado pelo réu.

Por outro lado, se é natural que aos jornalistas seduza a polêmica, o estrépito, o que aumenta sua audiência, e seu faturamento, não se vê ofensas tais partindo do autor que pudessem enredar o réu, jornalista experiente e bem-sucedido, em sua manifestação de rancor e vingança contra o autor. O dolo, na espécie, deflui da própria opção por narrativas, palavras e expressões insuscetíveis de utilização com sentido diverso, que não o de achincalhar o autor, sujeitando-o à reprovação ético-social, ofensiva à sua reputação. No caso, as palavras difamatórias utilizadas deixam claro que o réu imputou ao autor a prática de atos altamente desabonadores, que colocam em xeque a idoneidade que se espera do profissional do jornalismo.

O homem médio que leu os textos no site do réu – abstraindo-se juízos pessoais conforme a opção política, esportiva e ideológica – só pode ter tido uma percepção, em suma. Resta, então, o arbitramento do valor do dano moral, que deve ser feito tendo em vista a gravidade das ofensas e as condições das partes, jornalistas de renome. Certo ainda que o réu tem elevada capacidade financeira, dado seu sucesso profisisonal, como por ele próprio apregoado. Assim, visando a justa reparação e retribuição, consideradas as condições das partes, e para que haja efetiva punição, mostra-se razoável a pretensão inicial, pelo arbitro o valor do dano moral em R$ 48.000,00.

Pelo exposto, JULGO PROCEDENTE o pedido, para condenar o réu MILTON NEVES a pagar ao autor JOSÉ CARLOS AMARAL KFOURI o valor de R$ 48.000,00, com correção monetária pela tabela prática do Tribunal de Justiça desde o ajuizamento, e juros de mora de 1% ao mês a contar do ilícito (março de 2007 – fls. 19/24), arcando o réu com despesas processuais, sendo os honorários advocatícios ora arbitrados em 10% do valor da condenação, suficientes à remuneração do patrono. E para CONDENAR o réu, nos termos do art. 75 da Lei 5.250/67, a fazer publicar esta sentença, por uma vez, em jornal de grande circulação nacional, no caderno de esportes, no domingo, cabendo ao autor a escolha do jornal; bem como a publicá-la em seu site, com os mesmos caracteres tipográficos e destaque, pelo prazo de 3 meses; tudo sob pena de multa diária de R$ 1.000,00, a correr a partir de 15 dias depois do trânsito em julgado desta sentença. Caso o réu não faça a publicação, poderá o autor fazê-lo, mediante prévia aprovação do juízo, inclusive quanto ao valor, reembolsando-se nestes próprios autos em fase de execução; sem prejuízo da multa cominatória diária.

A partir do trânsito em julgado, independente de requerimento do credor, nova intimação ou qualquer outro ato, estará o devedor automaticamente obrigado ao pagamento da condenação e ao cumprimento da obrigação de fazer, em 15 dias, sob pena de multa de 10%, nos termos do artigo 475-J do Código de Processo Civil. P.R.I.C.

São Paulo, 11 de setembro de 2007.

CARLOS EDUARDO BORGES FANTACINI
Juiz de Direito"

3 comentários:

Anônimo disse...

O comentario do post abaixo era pra ser nesse. Concordo plenamente que deve haver punição, pois hj em dia a internet é uma "terra de ninguem" e cabe ao judiciário regular essa lacuna.

Anônimo disse...

Professor, apesar de sensata a opinião do senhor,permita-me discordar, nesse caso não acho que haja culpa do dono do site. Grade abraço. Ligia.

Anônimo disse...

Esse milton neves é um mala...